29 de mar. de 2010

Sobre Ivaldo Bertazzo


Um dia vou ser caboclo"

Assim fala Ivaldo Bertazzo, o professor
de dança dos famosos


Durante a maior parte do ano, o professor de dança Ivaldo Bertazzo zela pelo físico da elite. Em sua academia, instalada num bairro de classe alta em São Paulo, ele ensina expressão corporal e boa postura a artistas, empresários e profissionais liberais conceituados. Já passaram por suas mãos as atrizes Maitê Proença e Denise Fraga, a petista Marta Suplicy, a primeira-dama Ruth Cardoso, o ex-ministro Celso Lafer e o apresentador Zeca Camargo. Uma vez por ano, entretanto, o professor sai de cena para dar lugar ao coreógrafo Ivaldo Bertazzo, que há três décadas vem acumulando prêmios e elogios. Esse é bem diferente. Em seus espetáculos, ele enaltece a cultura popular. Faz parte de um segmento de artistas – como o cineasta Andrucha Waddington, diretor de Eu Tu Eles, ou a cenógrafa Bia Lessa, que já utilizou a mão-de-obra de detentos do Carandiru – que descobriu que utilizar o tema da miséria brasileira dá um ibope danado. Bertazzo se vale de uma expressão, "cidadãos-dançantes", para descrever as pessoas de classe baixa que costuma escalar para suas montagens. Começou utilizando bailarinos amadores nos anos 70 e, de 1996 para cá, vem investindo cada vez mais em tipos regionais. Com coreografias protagonizadas por índios da Amazônia, sertanejos nordestinos ou favelados cariocas, faz sucesso de crítica e sensibiliza os patrocinadores como ninguém. Seu novo espetáculo, Mãe Gentil,tem orçamento de 1,7 milhão de reais para um total de vinte apresentações. É dinheiro suficiente para bancar os gastos com salários e produção de espetáculos do conceituado grupo Corpo, de Minas Gerais, por oito meses.

Ao contrário da maioria dos coreógrafos do primeiro time – de Rodrigo Pederneiras, do grupo Corpo, à carioca Deborah Colker –, Bertazzo consegue destaque mesmo sem estar à frente de uma companhia organizada. Qual a chave para se manter sob os holofotes? Trata-se de um profissional talentoso, sem dúvida. Mas seu segredo reside no jeito peculiar como aliou a atividade de coreógrafo à de professor: um lado alimenta o outro. Bertazzo é o representante no Brasil de um método de terapia corporal desenvolvido nos anos 70 por uma pesquisadora belga. Somando a essa base européia elementos de danças étnicas e outras influências, criou um método didático reverenciado. Com seu jeitão teatral e irreverente, conquistou uma legião de fãs e fez amigos valiosos. "O Ivaldo sempre aproveitou o carisma para comercializar bem seu trabalho", diz a crítica de dança Suzana Braga. "Como ele dá aula para a nata da sociedade, os contatos ajudam na hora de brigar por patrocínio", opina o ator Raul Barretto, seu ex-colaborador.

No final dos anos 60, Bertazzo, paulistano do bairro da Mooca, era um adolescente de origem humilde, considerado muito rechonchudo para ser bailarino. Ao chegar a uma escola de balé, a professora ironizou: "Vamos ter de trabalhar muito para chegar lá, não é mesmo?" Ele conseguiu. "Dancei profissionalmente por seis anos, mas logo depois passei a atuar como professor", explica. Isso foi lá pelos idos de 1972. Seus pais, um imigrante italiano e uma descendente de sírio-libaneses, não gostaram nadinha de ver o filho sobrevivendo da dança. Mas ele não se arrepende. Hoje, aos 51 anos, seu padrão de vida é para lá de razoável. De tempos em tempos, pode dar-se ao luxo de passar longos períodos viajando pelo Oriente, da Índia à Tailândia. As tendências que traz de fora acabam causando frisson na academia. Suas aulas são um capítulo à parte. Nelas, as pessoas são conclamadas a batucar nos próprios ossos com colheres de pau e a esfregar suas veias com uma escova, na direção em que o sangue jorra. "A gente fica toda roxa, mas é libertador", vibra a atriz Vera Holtz. Bertazzo também recomenda que os alunos evitem o narcisismo de se mirar no espelho e pede que se mantenham longe da balança. "De que adianta subir nela e descobrir que você engordou 3 quilos? Isso não muda nada", defende. Bertazzo, hoje em dia, acalenta dois sonhos. O primeiro é montar uma companhia de teatro musical que dê plena vazão a suas experiências com a cultura regionalista. O segundo, ainda em sintonia com seu interesse por este "caldeirão cultural que é o Brasil", parece mais complicado. "Um dia vou ser caboclo", diz ele, enquanto acaricia seu anel indiano de ouro e água-marinha. "O caboclo é um refinamento de nossa cultura que ainda não assumimos."

Veja, Ed.1 670 11/10/2000 - Marcelo Marthe

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